O dia 1 de Abril é o Dia das Mentiras. Estas já se esperam e por isso na maior parte dos casos não surtem o efeito desejado. Mas há quem se descuide. Por vezes, multidões.
Célebre ficou a mentirinha do jornal londrino Daily Herald, em 31 de Março de 1905: «Se tiverem caroços de pêssegos ou tâmaras em casa, tragam-nos amanhã, entre o meio-dia e a uma hora da tarde, a Trafalgar Square. Servirão para o repovoamento florestal do deserto do Sara, no Norte de África, a fim de melhorar as condições de vida dos povos subalimentados daquela região.» No dia seguinte, largas centenas de pessoas acorreram à mais conhecida praça de Londres.
Mas porque este dia?
Dia das Mentiras, Dia dos Enganos, Dia das Petas ou, na expressão original francesa, Poisson d’Avril. Todas estas designações conferem ao primeiro dia de Abril o estatuto de data propícia às fantasias mais ardilosas, elaboradas por espíritos engenhosos com o objectivo de ludibriar as mentes desprevenidas.
Tradição que teve origem em França há mais de 400 anos (v. texto em baixo), ela haveria de constituir, para os meios de comunicação social, um pretexto para infringir de forma divertida e consensualmente autorizada, a obrigação de informar com rigor. Ao longo dos tempos, têm sido múltiplas as invencionices que o 1º de Abril inspirou às mentes engenhosas de alguns jornalistas, medindo-se o êxito das suas criações pelo número de pessoas que «enfiaram o barrete».
Tudo começou com a alteração do princípio do ano
A tradição do Dia das Mentiras remonta a 1564, ano em que Catarina de Médicis, regente da França em nome de Carlos IX, deliberou por decreto que o ano civil começaria a 1 de Janeiro. Até então, o ano civil arrancava no primeiro dia de Abril, em plena primavera.
Mas com tal mudança não se alteraram certos costumes. Assim, tendo-se transferido para o 1º de Janeiro o hábito de trocar prendas e votos de Boas Festas, não deixou de se manter idêntico procedimento no dia 1º de Abril. Simplesmente, como esta data tinha perdido o significado anterior, as prendas e mensagens que nela continuaram a trocar-se passaram a ser fictícias.
O dia 1 de Abril tornar-se-ia, assim, um remake carnavalesco, em que a astúcia dos mais engenhosos fazia gala em divertirse à custa dos que acreditavam nas suas fantasias, por vezes delirantes.
Este costume rapidamente se expandiu por toda a Europa e outras partes do mundo, pois a França era então o modelo cultural de todas as civilizações ocidentais. Daí a designação de origem poisson d’Avril. Os italianos dizem pesce d'aprile. E porquê poisson? Simplesmente porque no calendário zodiacal, a data sucede ao período reservado ao signo dos Peixes.
Em países de língua inglesa o dia da mentira costuma ser conhecido como April Fool's Day, "Dia dos Tolos [de Abril]".
A contribuir também para as expressões correntes de Dia dos Enganos, ou das Mentiras, está o facto de coincidir com um período habitualmente enganador, em que o sol primaveril faz negaças, escondido entre nuvens invernosas. Daí o conhecido ditado «Em Abril, águas mil».
Vamos ouvir na sala de aula uma canção de Sérgio Godinho em que aparece este dia:
ARRANJA-ME UM EMPREGO
Tu precisas tanto
de amor e de sossego
e eu preciso de um emprego.
Se mo arranjares,
eu dou-te o que é preciso,
por exemplo o paraíso.
Anda ao deus-dará
perdido nessas ruas,
vou ser mais sincero:
sinto que ando às arrecuas.
Preciso de galgar
as escadas do sucesso
e é por isso que eu te peço:
“arranja-me um emprego”.
Arranja-me um emprego,
pode ser na tua empresa,
com certeza,
que eu dava conta do recado
e para ti era um sossego.
Se meto os pés para dentro,
a partir de agora
eu meto-os para fora;
se dizia o que penso,
eu posso estar atento
e pensar para dentro;
se queres que seja duro,
muito bem, eu serei duro,
se queres que seja doce,
serei doce, ai isso juro.
Eu quero ser o tal,
e como tal reconhecido
e assim digo-te ao ouvido:
“arranja-me um emprego”.
Arranja-me um emprego...
Sabendo que as minhas intenções
são das mais sérias,
partamos para férias;
mas para ter férias
é preciso ter emprego,
espera aí que eu já lá chego.
Agora pensa numa casa
com o mar ali ao pé
e nós os dois
a brindarmos com rosé.
Esqueço-me de tudo
com o pôr-do-sol assim,
chega aqui ao pé de mim:
“arranja-me um emprego”.
Arranja-me um emprego...
Se eu mandasse neles
os teus trabalhadores
seriam uns amores:
greves eram só
das seis e meia às sete,
em frente a um cassetete;
primeiro de Maio
so de quinze em quinze anos;
feriado em Abril,
só no dia dos Enganos,
e reivindicações
quanto baste, ma non troppo.
Anda, bebe mais um copo:
“arranja-me um emprego”.
Arranja-me um emprego..
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