quarta-feira, 23 de abril de 2014

Morre Gabriel García Márquez



No dia 17 de abril morreu no México o escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez, um dos maiores autores da língua espanhola, e Prémio Nobel da Literatura em 1982. É claro que os autores que aqui são publicados escrevem ou escreveram em português, mas também temos uma secção dedicada a Outras literaturas. Ler é bom, e estamos a ler em português também. É por isso que vos trago o começo do livro mais conhecido deste autor, Cem anos de solidão. Não me engano se penso que será a primeira vez que leiam estas linhas... e vão lê-las em português! Espero que algum dia leiam o livro completo em espanhol. Realmente vale a pena.

Vamos ler! (não só neste Dia do Livro, claro...)


Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos.

Primeiro trouxeram o ímã. Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia. Foi de casa em casa arrastando dois lingotes metálicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades. "As coisas têm vida própria", apregoava o cigano com áspero sotaque, "tudo é questão de despertar a sua alma." José Arcadio Buendía, cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e até mesmo além do milagre e da magia, pensou que era possível se servir daquela invenção inútil para desentranhar o ouro da terra.







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