Há tantas coisas para dizer da saudade e do seu significado! Para que não se esqueçam dela e pratiquem ao mesmo tempo a leitura, cá temos hoje um conto de Cristina Taquelim, grande narradora oral, de quem podem ler em baixo uma pequena biografia.
Ah, antes de começar, pelo sim pelo não, manas é uma forma popular de irmãs (e também estão os manos, claro!)
AS MANAS SAUDADE
Era uma vez 3 manas que eram só saudade.
Uma chamava-se Maria da Saudade, outra Saudade Maria e a mais nova chamava-se Saudade da Purificação.
Moravam no nº 9 do Jardim da Rampa, mas toda a gente só conhecia o Largo pelo Largo das manas Saudade.
Talvez condenadas pelo nome, tinham saudade de tudo: Saudade do que foram. Saudade do que seriam. Saudade do que deixaram. Saudade até do que ainda não tinham vivido.
Por isso guardavam objectos, lembranças, coisas preciosas e mais tarde, outras que nem por isso. Coisas que com o tempo vão deixando de ser úteis, vão deixando de ter significado. Coisas a mais.
Ter uma saudade assim também traz as suas complicações e de saudade em saudade, foram enchendo a casa de tralha, quinquilharia, trecos, tarecos, trapos. Primeiro o sótão e quando já não cabia, foram espalhando lembranças pelos corredores, pelas estantes e armários e até o quintal se foi enchendo de turgia.
Chegou uma altura em que quase não conseguiam viver com tanta saudade assim e um dia … resolveram matar as maganas das saudades.
Puseram à venda a tralha, a quinquilharia, os trecos, tarecos e trapos – esvaziaram casa e quintal e abriram o portão aos amigos: aos de sempre, aos de ontem, aos de hoje e até aos que não sendo amigos poderiam vir a ser – desafiaram-nos a estarem juntos e assim matar saudades.
Não fizeram convites pessoais para ninguém ficar triste por ter sido esquecido.
Na porta escreveram: Seja bem vindo quem vier por bem!
E muitos vieram!
Desde aquele dia, uma vez no ano, por altura da festa da aldeia, o quintal 9 abre a porta. E algo estranho acontece a pouco e pouco, todos os que na aldeia, também gostam de abrir portas e juntam-se às manas. Abrem a porta dos seus quintais, das suas casas e fazem da aldeia uma enorme sala de visitas.
Cristina Taquelim
Vocabulário (Infopédia):
tralha = 4. popular conjunto de móveis ou utensílios caseiros de pouco valor.
quinquilharia = 2. objetos vários para diversos usos
treco = popular mal-estar; chilique (esp. "soponcio", "indisposición")
tarecos = 1. objeto velho, de pouco valor
magana= namoradeira; desenvolta; (Dicionário Priberam: Que ou quem demonstra malícia ou malandrice. = MALANDRO)
Cristina Taquelim nasceu em Lagos em 1964. Licenciou-se em Psicologia Educacional e fez Pós-Graduação em Ciências Documentais. É Mediadora de Leitura e Técnica assessora da Administração Local na Biblioteca Municipal de Beja, onde é responsável, a par dos projectos continuados de mediação da leitura, pelos programas de Narração Oral na Biblioteca, as Palavras Andarilhas e as Mil e Uma Noites Mil e uma Histórias. Figura de referência no panorama nacional, tem apresentado diversas comunicações em colóquios e congressos sobre mediação e dinamizado oficinas nesta área. Desenvolve desde 1995 actividade como narradora, tendo trabalhando com públicos de todas as idades e participado em diversos encontros em Portugal, Brasil, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Espanha e Argentina.
(Narração oral)
Ah, antes de começar, pelo sim pelo não, manas é uma forma popular de irmãs (e também estão os manos, claro!)
AS MANAS SAUDADE
Era uma vez 3 manas que eram só saudade.
Uma chamava-se Maria da Saudade, outra Saudade Maria e a mais nova chamava-se Saudade da Purificação.
Moravam no nº 9 do Jardim da Rampa, mas toda a gente só conhecia o Largo pelo Largo das manas Saudade.
Talvez condenadas pelo nome, tinham saudade de tudo: Saudade do que foram. Saudade do que seriam. Saudade do que deixaram. Saudade até do que ainda não tinham vivido.
Por isso guardavam objectos, lembranças, coisas preciosas e mais tarde, outras que nem por isso. Coisas que com o tempo vão deixando de ser úteis, vão deixando de ter significado. Coisas a mais.
Ter uma saudade assim também traz as suas complicações e de saudade em saudade, foram enchendo a casa de tralha, quinquilharia, trecos, tarecos, trapos. Primeiro o sótão e quando já não cabia, foram espalhando lembranças pelos corredores, pelas estantes e armários e até o quintal se foi enchendo de turgia.
Chegou uma altura em que quase não conseguiam viver com tanta saudade assim e um dia … resolveram matar as maganas das saudades.
Puseram à venda a tralha, a quinquilharia, os trecos, tarecos e trapos – esvaziaram casa e quintal e abriram o portão aos amigos: aos de sempre, aos de ontem, aos de hoje e até aos que não sendo amigos poderiam vir a ser – desafiaram-nos a estarem juntos e assim matar saudades.
Não fizeram convites pessoais para ninguém ficar triste por ter sido esquecido.
Na porta escreveram: Seja bem vindo quem vier por bem!
E muitos vieram!
Desde aquele dia, uma vez no ano, por altura da festa da aldeia, o quintal 9 abre a porta. E algo estranho acontece a pouco e pouco, todos os que na aldeia, também gostam de abrir portas e juntam-se às manas. Abrem a porta dos seus quintais, das suas casas e fazem da aldeia uma enorme sala de visitas.
Cristina Taquelim
Vocabulário (Infopédia):
tralha = 4. popular conjunto de móveis ou utensílios caseiros de pouco valor.
quinquilharia = 2. objetos vários para diversos usos
treco = popular mal-estar; chilique (esp. "soponcio", "indisposición")
tarecos = 1. objeto velho, de pouco valor
magana= namoradeira; desenvolta; (Dicionário Priberam: Que ou quem demonstra malícia ou malandrice. = MALANDRO)
Cristina Taquelim nasceu em Lagos em 1964. Licenciou-se em Psicologia Educacional e fez Pós-Graduação em Ciências Documentais. É Mediadora de Leitura e Técnica assessora da Administração Local na Biblioteca Municipal de Beja, onde é responsável, a par dos projectos continuados de mediação da leitura, pelos programas de Narração Oral na Biblioteca, as Palavras Andarilhas e as Mil e Uma Noites Mil e uma Histórias. Figura de referência no panorama nacional, tem apresentado diversas comunicações em colóquios e congressos sobre mediação e dinamizado oficinas nesta área. Desenvolve desde 1995 actividade como narradora, tendo trabalhando com públicos de todas as idades e participado em diversos encontros em Portugal, Brasil, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Espanha e Argentina.
(Narração oral)
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