sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Todas as palavras (Manuel António Pina)




O jornalista e escritor português Manuel António Pina morreu a 19 de outubro de 2012. El e recebeu o Prémio Camões, equivalente do nosso Premio Cervantes, em 2011.

TODAS AS PALAVRAS

As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.


Poema de Manuel António Pina, dito por ele mesmo extraído do documentário em sua homenagem "Um sítio onde pousar a cabeça" vídeo rtp2 - 2012