Ouguela (Alentejo, Portugal) em baixo; Alburquerque (Badajoz, Espanha) ao fundo.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A versão original de 'Mudemos de assunto' do Sérgio Godinho

Fotografia de Luiz Felipe Sahd

Há quatro anos foi publicada aqui uma versão mais recente desta canção composta por Sérgio Godinho. Cantavam ele e Jorge Palma. Hoje podemos ouvir a primeira versão onde canta apenas Godinho.


MUDEMOS DE ASSUNTO

Andas aí a partir corações
como quem parte um baralho de cartas.
Cartas de amor,
escrevi-te eu tantas;
às tantas, aos poucos
eu fui percebendo,
às tantas eu la fui tacteando,
às cegas eu lá fui conseguindo,
às cegas eu lá fui abrindo os olhos

E nos teus olhos como espelhos partidos
quis inventar uma outra narrativa
até que um ai me chegou aos ouvidos
e era só eu a vogar à deriva,
e um animal sempre foge do fogo
e mal eu gritei: fogo!
mal eu gritei: água!
que morro de sede,
achei-me encostado à parede
gritando: livrai-me da sede!
e o mar inteiro entrou na minha casa.

E nos teus olhos inundados do mar
eu naveguei contra a minha vontade,
mas deixa lá, que este barco a viajar
há-de chegar à gare da sua cidade,
e ao desembarco a terra será mais firme.
Há quem afirme,
há quem assegure,
que é depois da vida
que a gente encontra a paz prometida;
por mim marquei-lhe encontro na vida
marquei-lhe encontro ao fim da tempestade.

Da tempestade, o que se teve em comum
é aquilo que nos separa depois
e os barcos passam a ser um e um
onde uma vez quiseram quase ser dois
e a tempestade deixa o mar encrespado;
por isso cuidado,
mesmo muito cuidado,
que é frágil o pano
que enfuna as velas do desengano,
que nos empurra em novo oceano,
frágil e resistente ao mesmo tempo.

Mas isto é um canto
e não um lamento,
já disse o que sinto,
agora façamos o ponto
e mudemos de assunto
sim?