Ouguela (Alentejo, Portugal) em baixo; Alburquerque (Badajoz, Espanha) ao fundo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A formiga no carreiro (José Afonso)


O grande cantor português José Afonso morreu a 23 de fevereiro de 1987. Recordamo-lo hoje, três dias antes do aniversário.


A FORMIGA NO CARREIRO

A formiga no carreiro
Vinha em sentido contrário
Caiu ao Tejo
Ao pé dum septuagenário
Larpou trepou às tábuas
Que flutuavam nas águas
E de cima duma delas
Virou-se prò formigueiro
Mudem de rumo
Já lá vem outro carreiro

A formiga no carreiro
Vinha em sentido diferente
Caiu à rua
No meio de toda a gente
Buliu buliu abriu as gâmbias
Para trepar às varandas
E de cima duma delas

Virou-se prò formigueiro
Mudem de rumo
Já lá vem outro carreiro

A formiga no carreiro
Andava a roda da vida
Caiu em cima
Duma espinhela caída
Furou furou à brava
Numa cova que ali estava
E de cima duma delas
Virou-se prò formigueiro
Mudem de rumo
Já lá vem outro carreiro


A uma pergunta da jornalista Isabel Guerreiro, Francisco Fanhais, presidente da Associação José Afonso, respondeu o seguinte:

“A Formiga No Carreiro” continua a andar à roda?

A Formiga No Carreiro” são todos os que não se conformam, que vão em sentido contrário e não alinham no fatalismo, quando é mais fácil estar em casa a cruzar os braços. São os que não alinham no rame-rame da existência quotidiana e lutam para algo mude no nosso País. São todos o que não se conformam, que sabem que têm filhos e netos e que aspiram por lhes dar um mundo diferente daquele que receberam. Se os nossos netos nos perguntarem o que fizemos para eles encontrarem um mundo melhor e a nossa resposta for o silêncio, ou cruzar os braços, estamos perante a resposta mais cobarde que lhes podemos deixar. 

("Os Vampiros e os Bravos de Abril", em Jornal Tornado, 25 de abril de 2017)